Sobre os desdobramentos da troca de presidente na Petrobrás

O anúncio da troca de presidente na Petrobrás, na sexta-feira, 19 de fevereiro, gerou revoltas e as mais diversas especulações. Afirmações absurdas de que Bolsonaro é comunista e eu teria me aliado ao atual governo chegaram a ser divulgadas na imprensa.


Duas questões ficaram bem evidentes após esse episódio: a disputa acirrada pelo controle da Petrobrás e de seus lucros e a falta de compreensão política do brasileiro.
Em primeiro lugar, há que se conhecer os ritos envolvidos na escolha/destituição do presidente da Petrobrás. Vamos aos fatos.

A Petrobrás é, a despeito de gostarem ou não e de sofismas, uma empresa estatal de economia mista, cujo sócio controlador é a União, que tem o direito e a prerrogativa de destituir e indicar seus conselheiros de administração e o presidente da companhia, a qualquer tempo.

O Conselho pode ter, no mínimo, sete e, no máximo, 11 membros, sendo um eleito pelos empregados, dois a três indicados pelos acionistas minoritários e entre quatro a oito pelo acionista controlador.
Todos os conselheiros, eleitos ou indicados, passam por Comitês Específicos de Assessoramento para análise de sua elegibilidade, onde são verificados desde o currículo até questões de integridade, idoneidade e possíveis conflitos de interesses. Uma vez elegível, a aprovação (ou rejeição) é realizada na Assembleia Geral dos Acionistas (Ordinária ou Extraordinária), convocada pelo Conselho de Administração.

Conforme legislação vigente e estatuto da companhia, é dever do Conselho de Administração convocar a assembleia geral, a menos que constate falhas formais no pedido de convocação, feito por quem de direito. Não se trata, em absoluto, de votar contra ou a favor do governo, do indicado ou do destituído. Trata-se de cumprir um dever de diligência, simples assim.

Essa é a regra do jogo. Cabe ao Conselho de Administração verificar se há alguma falha na formalidade da solicitação e, não havendo, autorizar a convocação da assembleia.
Esclareço aqui que meu voto foi balizado pelo meu dever de diligência na aprovação da convocação da AGE, visto não haver falhas formais na solicitação do MME.

Também no cumprimento do meu dever, como conselheira, de zelar pelo melhor interesse da Petrobrás, permaneci esse período em silêncio, evitando mais especulações e tumultos, o que certamente interessam a muitos, mas não à empresa.

Como funcionária de carreira há 34 anos (completos agora em 09/03), vejo com muita preocupação os rumos dados à maior empresa brasileira. A Petrobrás, criada pelo movimento popular com a missão de descobrir e produzir petróleo e derivados para abastecer o país, hoje vira as costas para o Brasil na busca da maximização dos lucros dos acionistas, renegando seu papel social e desenvolvimentista, se mantendo completamente refém das disputas dos interesses financeiros de curto prazo de grupos, muitos deles estrangeiros.

As crises do petróleo em toda nossa história comprovaram seu valor estratégico para os países e a inquestionável importância da autossuficiência tão almejada por todos. Mas por quê? Porque ser autossuficiente nos imuniza da volatilidade inerente à indústria do petróleo, sujeita a variações de toda sorte no cenário internacional, desde conflitos geopolíticos a invernos rigorosos no hemisfério norte. Negar o valor estratégico do petróleo é, no mínimo, sofismar.
Por que um país que tem capacidade de produzir mais de 90% de sua demanda de petróleo e de refinar mais de 80% de seu consumo de derivados (estamos entre os sete maiores mercados de consumo de derivados do planeta) deve atrelar seus preços aos de importação (PPI – Paridade de Preços de Importação)?

Essa política de preços, sim, política, penaliza a sociedade brasileira desnecessariamente para garantir o lucro máximo. E mais, essa política visa manter o interesse das empresas estrangeiras nos ativos da Petrobrás. Ou seja, é uma política indispensável para viabilizar a privatização da companhia, ainda que aos pedaços. Ou alguém acredita que os árabes, por exemplo, comprarão a refinaria da Bahia, a RLAM, para refinar e vender combustíveis a preços mais acessíveis, considerando custos internos em real? Eles estão errados? Claro que não! Errados estamos nós, se vendermos.

É possível praticar preços mais justos para a sociedade brasileira sem deixar de ter lucro e de remunerar os acionistas. E é possível reduzir a volatidade dos preços sem retirar os impostos, que são necessários para as políticas públicas. Isso depende de decisão política do Executivo principalmente, mas também do Legislativo.

Espero que as mudanças em curso sirvam para reavaliar o real papel da Petrobrás. E que a empresa seja reposicionada, enquanto estatal brasileira, de tal sorte a permitir que ela sirva a seu país em primeiro lugar, sem que isso implique em prejuízo à remuneração de seus acionistas, o que é sabidamente possível.