No século em que a sustentabilidade finalmente ocupa destaque nos fóruns decisórios mais importantes do planeta – não por um despertar de consciência, mas por inadiável urgência -, muito se fala sobre a importância da transição energética e a busca de fontes de energia renováveis, o que é bastante relevante. Mas, em contrapartida, muito pouco se comenta sobre os impactos que esses empreendimentos causam ao meio ambiente e às comunidades onde se instalam.
O documentário “Vento Agreste”, a websérie “Para Quem Sopram os Ventos?” e várias reportagens do Brasil de Fato – todos pouquíssimos divulgados – trazem à tona a situação alarmante em todo o Nordeste do Brasil, que concentra mais de 80% dos parques eólicos. O assunto é extremamente sério e preocupante.
Infelizmente, o modelo de implantação de complexos eólicos no Brasil reproduz o padrão dos grandes latifúndios. Os “contratos” que as empresas oferecem aos proprietários rurais para a utilização de suas terras têm uma série de problemas, desde a baixa e intermitente remuneração, sigilosidade imposta, até prazos muito longos, inviabilizando o uso da terra por mais de uma geração. Esses proprietários são, na absoluta maioria, povos originários, quilombolas e assentados, todos pequenos agricultores. Muitos querem sair de suas propriedades por total inviabilidade de seguir vivendo nas novas condições.
Para a instalação dos parques são abertas estradas de acesso, bem como estruturas para a transmissão da energia gerada, com todo o impacto ambiental que isso representa nos diferentes biomas. E essa energia não apenas não atende os moradores, como, em alguns casos, causa panes na rede de transmissão que alimenta as residências quando há picos de intensidade. A implantação dos complexos eólicos traz ainda outro prejuízo às comunidades: o aumento do custo de vida e da violência.
Após a instalação dos parques, os problemas se avolumam. Os efeitos sobre as pessoas e os animais são desastrosos. Depoimentos relatam vários distúrbios de saúde, causados principalmente pelo ruído constante e por estrondos eventuais.
Para os animais de criação são descritos abortos, redução na produção de leite e na postura de ovos, distúrbios comportamentais diversos em função do ruído, da vibração e do efeito das sombras das pás no solo, que assustam alguns animais. Na fauna silvestre, é observado o desaparecimento de pássaros e abelhas.
No Rio Grande do Norte são apontados vários danos ambientais na instalação das torres eólicas em regiões de dunas, arrasando dunas e lagoas interdunares.
O documentário “Vento Agreste” retrata a realidade de famílias de agricultores que moram na comunidade de Sobradinho, no município de Caetés (PE), e convivem há oito anos com aerogeradores. Os moradores denunciam que esses equipamentos mudaram sua rotina de vida. Eles se queixam de distúrbios de sono, estresse, enxaqueca e depressão, além de danos ambientais e interferência na rota das aves.
No Norte da Bahia, segundo recente reportagem do UOL, a instalação de aerogeradores está matando onças da Caatinga, que dependem das matas nativas para sobreviver. Estima-se que vivam apenas 250 onças-pintadas e 2.500 onças-pardas em todo o bioma e ambas estão em extinção. Desse total, 30 pintadas estão na Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão da Onça.
Nesse local, já existem quatro complexos eólicos em funcionamento, um deles com 500 torres e outros dois em expansão. O ruído, abertura de estradas, presença humana constante e vai-e-vem de veículos afastam a onça de seu trajeto normal na busca de água, cada vez mais escassa por conta da abertura ou remoção da vegetação. Fugindo da movimentação, o animal acaba fazendo percursos bem maiores e gastando mais energia.
As regulações no Brasil ainda são embrionárias e a “romantização” das energias renováveis precisa ser desnudada pela dura realidade dos que com elas convivem e por estudos científicos dos impactos socioambientais que geram.
Como se dá o licenciamento ambiental desses empreendimentos? Quais os estudos dos impactos socioambientais realizados? Além de tudo o que já foi descrito, estão avaliados os impactos nas demandas pela mineração, na gestão de resíduos e sobre alteração do regime de ventos e microclima, por exemplo?
Sustentabilidade ainda não é um substantivo associado às fontes renováveis. É preciso buscar fontes alternativas, mas com muito mais responsabilidade socioambiental do que temos feito.
É urgente rever o modelo de implantação dos parques eólicos e seu licenciamento ambiental. E é imperativo rever nosso padrão de consumo – esse, inquestionavelmente, insustentável.
Acesse os links abaixo para conferir as reportagens e os filmes sobre os impactos da energia eólica: