Em entrevista ao PetróleoHoje, em fevereiro de 2020, Rosângela Buzanelli critica desintegração da companhia e “renegação” de seu papel social
Primeira representante dos trabalhadores eleita em primeiro turno para integrar o Conselho de Administração da Petrobrás, a futura conselheira Rosângela Buzanelli assumirá o cargo em abril, tendo como bandeira a defesa de uma empresa pública, forte e integrada. Apoiada pela FUP, a geofísica com quase 33 anos de companhia atribuiu sua vitória uma resposta clara de insatisfação dos trabalhadores com a gestão de Roberto Castello Branco. Com 5,3 mil votos (53, 6% do total), contra os 999 votos de Cyro Barretto, segundo colocado, ela é formada em Engenharia Geológica na Universidade de Ouro Preto e possui mestrado em sensoriamento remoto pelo Inpe. Em entrevista ao PetróleoHoje, criticou a política de desinvestimentos da Petrobrás e a forma como a empresa vem lidando com a greve dos petroleiros.
A que a Sra. atribui sua vitória em primeira turno?
Essa vitória é coletiva. A vitória em primeiro turno demonstra que o corpo de funcionários da Petrobrás não está nada satisfeito com os rumos que a empresa está tomando. A proposta mais clara no sentido de defender uma empresa mais forte, mais pública e que respeite e valorize os funcionários é a nossa. Os funcionários estão sendo desvalorizados. Hoje não dá para escrever o que a alta gestão diz. A insatisfação do corpo de funcionários da empresa foi canalizada na nossa candidatura, que é estruturada e coletiva. Não sou eu, Rosângela, é um grupo que está comigo.
E como a Sra. recebe essa responsabilidade?
Foi uma honra enorme ter tido essa votação. É uma responsabilidade muito grande. Estava no caminho oposto, pensando em desacelerar, mas me sinto com a energia recarregada de encarar esse desafio honroso, que esses cinco mil e tantos votos estão me delegando. Quero honrar cada voto que recebi nesse missão. Vai ser difícil , mas, se fosse fácil, não era para gente. Vou me esmerar para merecer cada um dos votos dados pelos petroleiros e petroleiras e para fazer com que, no final do mandato, eles não se arrependam do voto.
Quais as principais propostas e preocupação do seu mandato?
Colocamos uma plataforma com propostas bem genéricas porque é um candidatura coletiva e atuaremos sob demanda no CA. Nossa linha de atuação é manter uma transparência muito grande com o corpo de funcionários da empresa, dentro do que permite o termo de confidencialidade, mantendo um canal de comunicação também para receber sugestões de demanda de toda a classe trabalhadora e fazendo um mandato de defesa da Petrobrás pública, forte e integrada. Pública porque ela é uma empresa de sociedade mista e não pode deixar de olhar para o país, mas tem focado apenas no investidor, no retorno financeiro para o acionista, não tendo dado foco ao retorno para o acionista majoritário, que é a sociedade brasileira.
A gestão de Roberto Castello Branco defende a atuação no pré-sal e a não integração da cadeia. Qual a sua visão de uma Petrobrás forte?
A gente acredita que não tem sentido uma empresa de petróleo do porte da Petrobrás não ser integrada, e ela está sendo desintegrada. A Petrobrás quer ser uma empresa de E&P no pré-sal com lucro maximizado, que vai gerar dividendos para o acionista lá fora. Ela vira as costas para o país, que é o maior acionista dela. A empresa tem um papel social, gostem ou não. Esse papel social está completamente renegado. Então, vamos lá defender essa outra empresa, que foi a criada. Não é mais 100% estatal, mas ainda é pública. Vamos combater isso com toda força e toda capacidade técnica para contestar a atual política que tem levado a Petrobrás a se apequenar. Todas as majors são integradas, atuando do poço ao posto. Não tem sentido a Petrobrás se desfazer de vários ativos que ela está vendendo.
A venda de ativos é um equívoco, na sua opinião?
A Petrobrás está se desfazendo de vários campos, inclusive os de gás que estão entrando todos em parceria. Não é uma venda só de campos maduros; estão colocando em parceria campos gigantes. Na Bacia de Campos, quem já não está em parceria, vai entrar em parceria. Essa é a política. Tartaruga Verde é um exemplo. A Petrobrás encostou a plataforma e chamou um parceiro para levar 50%. Esse parceiro não correu risco, não investiu. O que está se fazendo com a empresa é um crime de lesa-pátria. A gente vai combater essa política com toda nossa força e argumentos no conselho.
Como combater efetivamente essa política, quando se é uma voz única dentro de um colegiado alinhado?
A gente provavelmente não vai conseguir reverter muitas ações…talvez, às vezes, consiga reverter um voto ou outro, mas não a decisão. Enquanto representante dos trabalhadores, a gente precisa registrar no conselho a nossa visão e levar para os conselheiros, que, muitas vezes, não têm o acesso ao outro lado. O que podemos fazer é deixar registrado não só o nosso voto, como os argumentos técnicos. Temos que registrar isso até porque, futuramente, em se comprovando o dano à empresa, o voto está justificado.
Resultado da eleição para o Conselho de Administração da Petrobrás | ||
Candidato | Número de votos | % de votos |
Rosângela Buzanelli Torres | 5.300 | 53,62 |
Cyro Rodrigues Barreto | 999 | 10,11 |
Gabriela Gonzalez Ribeiro Alves | 846 | 8,56 |
Fernando de Castro Sá | 540 | 5,46 |
Wilson Cedraz da Silva | 499 | 5,05 |
Antonio Carlos Fittipaldi | 418 | 4,23 |
Juvenal Dionísio Souza Mota | 188 | 1,9 |
Rodrigo Marcos da Silva Oliveira | 164 | 1,66 |
Pedro Gadas Filho | 154 | 1,56 |
Paulo Caetano Martin | 108 | 1,09 |
André Luiz Pinto Wandemberg | 101 | 1,02 |
Marco Antonio Priolli | 97 | 0,98 |
Sebastião de Andrade Loureiro | 78 | 0,79 |
Jorge AméricoCardoso de Aguiar | 74 | 0,75 |
Thiago da Silva Nunes Correia | 73 | 0,74 |
Carlos Eduardo Geraldeli | 68 | 0,69 |
Thiago Bianchine Moura | 56 | 0,57 |
Eduardo Sampaio Alves | 42 | 0,42 |
Sandro Morandi Júnior | 42 | 0,42 |
Marcelo Barros do Carmo | 19 | 0,19 |
Ney Monteiro Correia Júnior | 18 | 0,18 |
Total de votos válidos | 9.884 | |
Total de votos em branco | 32 | |
Total de votos nulos | 23 | |
Total de votantes | 9.939 |
A Sra. planeja trazer argumentos econômicos para fugir da discussão ideológica e reforçar seu posicionamento no CA, tendo em vista o fato de que os conselheiros respondem por seus atos como pessoa física?
Sim. Teremos assessorias para nos auxiliar do ponto vista jurídico e econômico. Já tivemos prejuízo de fato com algumas operações de venda, que, depois, nos forçaram a pagar aluguel pelo uso. A atuação no conselho não é uma atuação ideológica simplesmente, é uma atuação que tem que provar por A mais B porque se discorda, por que não é um bom negócio. No sindicalismo, nos apegamos mais à questão ideológica. No CA, temos uma posição ideológica, mas não é ela que embasa o voto. Ela nos orienta, mas precisamos ter embasamento técnico qualificado para nos posicionarmos.Temos assessorias muito boas que já existem na própria FUP, e contrataremos outras.
A Sra. acredita que terá voz ativa no CA?
Essa é a missão que me foi dada. Estou em uma missão que não é só minha; é de, pelo menos, das 5,3 mil pessoas que votaram em mim.
Tecnologia é um ponto de preocupação do seu mandato?
Sim. A Petrobrás sempre atuou em pesquisa de ponta com universidades, e isso está sendo abandonado. Estamos abandonando as universidades para contratar empresas e estamos deixando de fazer esse desenvolvimento. A nossa engenharia nacional está meio destruída. Ganhamos prêmios da OTC não foi à toa, não foi contratando lá fora. Foi desenvolvendo aqui. O que está acontecendo não é um crime apenas com a Petrobrás, é com o país. Estão se virando as costas para o desenvolvimento social, econômico e tecnológico. A Petrobrás pode ser uma empresa que tem esse papel e que continua lucrativa. Não precisa buscar o lucro máximo. Não somos uma empresa privada. Essa política é muito equivocada.
Como a Sra. vê a Petrobrás no cenário de energia mais limpa e de economia pós-fóssil?
A Petrobrás estava desenvolvendo diversos projetos de energia alternativa que estão sendo abandonados. O biodiesel é um exemplo; os projetos de energia eólica no Nordeste, também. Havia um estudo sobre energia de marés e outros sobre energias alternativas e renováveis que estão sendo abandonados. Não é preciso abandonar isso. Podemos produzir no pré-sal olhando para o futuro. A Petrobrás é uma empresa de energia como as demais, só que ela está virando uma empresa de pré-sal. Estamos na contramão em todos os sentidos; estamos na contramão da história.
A Sra. assumirá o assento no CA no ano em que a Petrobrás formalizará a venda das refinarias. Qual a sua avaliação sobre o argumento de venda?
O argumento de que tem que vender as refinarias para aumentar a competitividade do mercado é muito fácil de derrubar. Qualquer um pode construir refinaria no Brasil. O que está se fazendo como parque de refino aqui é extremante crítico porque temos condição de produzir e refinar praticamente todo o petróleo que o nosso mercado interno precisa. Nós comemoramos tanto a autossuficiência para ter uma independência, ter uma soberania energética e não depender das oscilações de mercado externo…temos plena condição de produzir, refinar aqui e vender para os brasileiros sob preço mais justo e competitivo. O que está se fazendo é mais absurdo porque as refinarias estão trabalhando com ociosidade, de modo que estamos exportando o petróleo cru e importando o derivado. Desse jeito, vamos voltar ao Brasil colônia. As empresas privadas visas lucro e sobrevivem assim, por isso podem optar por não investir na construção de uma refinaria porque o investimento é alto e o retorno, mais longo. Mas daí a nós abrirmos mão das nossas refinarias em detrimento da própria sociedade brasileira, equiparando os preços ao mercado internacional, ficando sujeito à variação do dólar e à oscilação do preço do barril, quando poderíamos produzir e refinar tudo aqui e colocar esse produto a um preço mais justo no mercado interno? É um absurdo
Como a Sra. enxerga o posicionamento da Petrobrás diante da greve?
Terrível. A Petrobrás está tentando contratar aposentado…vai colocar em risco às próprias instalações. A mão de obra da Petrobrás é extremamente especializada, treinada. A Petrobrás se nega o tempo todo a negociar e, de repente, grava um vídeo do presidente [Roberto Castello Branco] dizendo que está negociando e cumprindo o acordo coletivo. Não é verdade. Vou fazer 33 anos de Petrobrás agora em março. Nunca vi a alta gestão mentir tanto. São mentiras para força de trabalho e para a sociedade. Isso, para mim, é inédito.