“Trabalhei por 10 anos, como modesto burocrata de governança corporativa das participações societárias da Petrobrás nas sociedades controladas e coligadas, integrantes do seu parque termoelétrico, exatamente, durante o período em que ela se tornou a segunda maior geradora de energia elétrica nacional atrás, apenas, da própria Eletrobrás.
A partir daquele ponto de observação privilegiado, vi e compreendi a importância crucial da Eletrobrás. Ela é o centro gravitacional e verdadeiro garante da estabilidade e segurança energética do país, materializadas no Sistema Interligado Nacional- SIN. Tudo isso era, originalmente, a própria Eletrobrás depois esquartejada em Operador Nacional do Sistema-ONS, a famigerada Aneel e a CCEE – Câmara de comercialização de energia elétrica. Além dessas agências, ou autarquias especiais, a Eletrobrás detinha a integralidade das empresas atuantes nos segmentos de geração, transmissão e distribuição. Hoje a maioria das antigas subsidiárias da Eletrobrás já foram privatizadas, em mais de 50 por cento, na era FHC, cujo apanágio foi destruir a era Vargas. Ainda assim, o coração do sistema remanesce em mãos estatais.
O Sistema Interligado Nacional, idealizado no governo Jango Goulart, criador da Eletrobrás, foi depois projetado como uma integralidade só e, parcialmente, realizado durante os Planos Nacionais de Desenvolvimento do general Geisel, sendo, afinal, concluído no governo horrível do PT.
O SIN é a maior malha contínua de transmissão de energia do planeta. Supera em extensão e complexidade tecnológica a malha dos EUA que é fragmentada. O SIN permite inclusive estocar vento nos reservatórios hidráulicos, bem como acumular outras energias renováveis e alternativas de variadas fontes, ao invés de deplecionar o nível dos nossos reservatórios. As usinas eólicas não funcionam com pouco vento e, também, quando ele é muito forte pois tem que embandeirar as hélices para evitar que seja danificado o equipamento. Nos meses de estiagem, o regime de ventos é, inversamente, mais favorável o que o de chuvas, compensando a deficitária afluência hidrológica e permitindo a estocagem de ventos nos reservatórios das usinas hidrelétricas, as quais, também, regularizam os rios à jusante das barragens, evitando cheias catastróficas como se vê agora em Manaus, e organizam os múltiplos usos da água. Seja para irrigação de agricultura, seja viabilizando a navegação, ou, ainda, na captação para abastecimento de grandes cidades.
Essa matriz energética, ancorada na hidráulica, mas composta por variada gama de fontes renováveis, como as fontes eólica, solar, fotovoltaica, biomassa e outras mais tem sazonalidades diferentes ao longo do ano e são complementares ao regime de chuvas. Portanto, tornam mais robusta e contínua a geração elétrica. Assim como, permitem o armazenamento do excedente de todas elas nos reservatórios das hidrelétricas. É mais importante, ainda, a capacidade do SIN de transferir energia do Rio Madeira, em Rondônia, para o sul do país ou de Itaipu no Paraná para o nordeste.
Sua magnitude só encontra semelhante nos sistemas existentes na Rússia e na China que, aliás, veio aprender a construir hidroelétricas com as empreiteiras brasileiras destruídas pela insanidade lavajateira.
Uma malha de transmissão e, subsequente, distribuição de energia dessa magnitude só pode existir e funcionar graças à racionalidade, escala e sinergia remanescentes no planejamento da operação e manutenção centralmente organizados em torno ao plexo solar de todo o sistema que é a Eletrobrás.
Tal organicidade e sincronia são propiciadas por múltiplas circunstâncias e fatores, por exemplo, pela joia tecnológica que é o CEPEL, centro de pesquisa congênere ao CENPES da Petrobrás, ainda permanecer em mãos da Eletrobrás, o que é imprescindível para a higidez de todo o sistema. Se cada uma das centenas de empresas privadas que fossem aquinhoadas com concessões nos 3 segmentos, geração, transmissão e distribuição, pudessem impor sua cultura e padrões de engenharia e segurança operacional, teríamos uma inevitável a inexorável Babel.
Basta lembrar que os bueiros explodiam no Rio de Janeiro quando a Light privatizada esteve nas mãos dos franceses, atestando a inépcia da Aneel, que não só se omitiu diante da falta de investimentos necessários à expansão e melhoria da concessão, como do próprio custeio da sua simples manutenção, cuja deficiência evidenciou-se pelas várias autuações do ministério do trabalho, decorrentes de trabalho escravo nas equipes de manutenção que atuavam nas galerias subterrâneas. Qualquer semelhança com os crimes perpetrados pela Vale privatizada em Mariana e Brumadinho não é mera coincidência.
Igualmente, crucial para a manutenção do equilíbrio e segurança energética do país é o controle estatal sobre as maiores usinas hidrelétricas, via CHESF (similar ao Tennesse Valley Authority criado por Franklin Delano Roseveelt durante o New Deal), Furnas, e as demais subsidiárias, a ELETRONUCLEAR em Angra, a NUCLEP, produzindo aços especiais para usinas e submarinos nucleares em Itaguaí, bem assim sua participação na binacional Itaipu.
O desmantelamento total dessa primorosa relojoaria suíça seria o caos absoluto e irreversível. Far-se-iam as trevas e, naturalmente, no escurinho do cinema, fantásticas fortunas surgiriam como que por abiogênese. Justamente quando, na Inglaterra, se revertem as privatizações deflagradas pela dama de ferro de triste memória.
Luz para todos.”
George Torres Barbosa
Advogado concursado da Petrobrás de 1990 a 2021